Irracionalidade financeira: por que fazemos o que sabemos que é errado?

01/10/2012 11:59

Especialistas explicam porque, apesar de conhecer a teoria, muitos não conseguem fazer o planejamento financeiro funcionar

Por Equipe InfoMoney
 

SÃO PAULO - Gastar menos do que ganha, evitar pagar contas em atraso, olhar taxas de juro, poupar, investir... Na teoria, falar de planejamento financeiro é bem fácil. No entanto, na prática nem sempre é assim.

Apesar de comprometido em elaborar um orçamento que pudesse ajudá-lo a entender melhor os seus gastos e, eventualmente, auxiliar no equilíbrio das contas, o jornalista Fernando Borri, de 22 anos, passou a organizar o seu orçamento com um planejamento financeiro em meados do ano passado. Apesar de colocar tudo no papel, as contas nunca fecham no final do mês.

irracionalidade financeira

“O planejamento não funciona por minha causa mesmo”, se culpa Borri. “Preciso aprender a controlar melhor os gastos e a diferenciar vontades de necessidades”, completa.

O analista de sistemas Rubens Yokomizo, de 29 anos, sente a mesma dificuldade em planejar as finanças e culpa, principalmente, o consumismo exagerado e as compras sem planejamento. “Acredito que muitos dos meus erros sejam fruto do consumismo e do imediatismo em adquirir um produto sem planejamento. Isso deve afetar diretamente minhas contas”.

Não planejar compras e não controlar gastos são, de fato, algumas das causas do fracasso de um planejamento financeiro. Mas, se eles sabem exatamente onde está o problema, por que não conseguem corrigir o erro e rever os hábitos em prol da saúde financeira?

Razão x Emoção
De acordo com Tahira Hira, especialista em finanças pessoais e professora da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, apesar de ser correto afirmar que, quanto mais sabemos sobre determinado assunto, melhores são as nossas decisões a respeito, quando se trata de dinheiro, muitas pessoas não usam todo o conhecimento para conter determinados comportamentos. “Muitas forças sociais e psicológicas influenciam nossas atitudes e muitas decisões são tomadas sob essas influências”, revela.

A psicanalista Vera Rita de Mello Ferreira, autora de livros como “A Cabeça do Investidor” e “Psicologia Econômica – estudo do comportamento econômico e da tomada de decisão”, completa afirmando que a decisão de planejar é baseada na razão, mas o que interfere no dia a dia da organização das finanças é a emoção.

“O planejamento é feito pelo lado racional, mas o que interfere é o lado emocional, o lado impulsivo, de fazer as coisas sem pensar”, argumenta. “O planejamento financeiro é furado pelas ações do momento, impulsivas, que enxergam outro pedaço da situação, da realidade, do quadro. Assim, fica muito fácil esquecer qualquer tipo de planejamento feito anteriormente”, finaliza.

Segundo a psicanalista, o planejamento é baseado no longo prazo, enquanto as “furadas” têm como objetivo o curto prazo. “E como a gente está sempre presente no curto prazo, porque é agora que a vida acontece, a probabilidade de fazer coisas que contemplem o curto prazo sempre é maior”, explica. “Assim, se a pessoa conseguisse perceber a diferença dos prazos e das necessidades, respirasse fundo antes de tomar qualquer atitude e mirasse no futuro, conseguiria conter ações impulsivas”, ensina. “Mas isso é difícil, são poucas as pessoas que conseguem”, pondera.

Por outro lado, segundo o especialista em economia comportamental Dan Ariely, autor dos livros “Previsivelmente irracional” e “O lado bom da irracionalidade”, é possível usar a emoção sem destruir o orçamento. “Apesar de a emoção levar, normalmente, a ações impensadas quando o assunto é planejamento financeiro, ela tem o lado bom de colocar a pessoa para imaginar o futuro, o que pode motivar ações mais planejadas”, opina. Segundo ele, essa é uma maneira de usar o lado racional e o emocional juntos em prol do planejamento.

Armadilhas
Se você tiver mais informações sobre o jeito que a sua cabeça funciona, reconhecendo determinadas ciladas, fica mais fácil identificar certas atitudes que influenciam, negativamente, no sucesso do planejamento financeiro. “Com informações você tem um pouco mais de possibilidade de ‘se pegar no pulo’”, explica Vira Rita.

Entre as armadilhas está o que se chama, na psicologia econômica, de contas mentais.

De acordo com essa teoria, do economista comportamental Richard Thaler, costumamos separar nosso dinheiro em contas distintas (corrente, de investimentos, gastos futuros) e, muitas vezes, imaginamos que a nossa renda é suficiente para muito mais gastos do que ela realmente comporta.

Segundo Vera Rita, existem diversas situações do nosso dia a dia que nos levam a realizar contas mentais, como basear o planejamento no salário bruto e não líquido e superestimar o limite do cartão de crédito.

No primeiro caso, por exemplo, a pessoa que tem um ganho bruto - antes dos descontos - de R$ 5.000; na hora de preparar o orçamento, utiliza esse valor como base, sem levar em conta que, na realidade, receberá, líquido, pouco mais de R$ 4.000 - descontando INSS e IR. Essa diferença pode causar um grande estrago nas contas.

Com relação ao cartão de crédito, por conta da possibilidade de comprar em diversas parcelas, muitas vezes sem juros, o consumidor se perde nas contas, realizando cálculos inexistentes. O grande erro, nessa hora, é sempre considerar o limite como valor disponível, sem calcular as parcelas que estão pendentes e subtraí-las do total.

Outra armadilha é, segundo a psicanalista, a falácia dos custos irrecuperáveis. Como ela mesma exemplifica, é o famoso “já que...”.

“A pessoa fura um pouco o planejamento e isso a deixa superdesconfortável. É tão chato ter esse sentimento que ela pode incorrer na falácia do ‘já que eu já me descontrolei, então vou continuar gastando’”, afirma. “É igual a dieta: ‘já que comi um bombom, vou comer a caixa inteira de chocolate’”, compara.

De acordo com a psicanalista, muitas vezes essas atitudes são tomadas de forma inconsciente. No entanto, tendo ciência de que as armadilhas existem, fica mais fácil tomar cuidado na hora de planejar e calcular, tornando o seu orçamento o mais real possível.

Driblando o emocional
“Uma das minhas crenças fundamentais sobre dinheiro é que tudo se resume a autocontrole: fazer as coisas certas e prevenir-se de fazer as coisas erradas”. A frase é do planejador financeiro Robert Brokamp, conselheiro do The Motley Fool, companhia americana de soluções financeiras.

Mas como driblar o emocional e exercitar esse autocontrole em prol do sucesso do planejamento financeiro? A resposta pode estar na força de vontade!

De acordo com Brokamp, o professor de psicologia da Florida State University, Dr. Roy Baumeister, defende que a força de vontade pode ser aprimorada e exercitada com o objetivo de melhorar as finanças pessoais. “Ela funciona como um músculo, ou seja, quando exercitada, se torna mais forte”, revela. Baumeister é coautor do livro “Willpower: rediscovering the greatest human strength (Força de vontade: redescobrindo a maior força das pessoas). Em entrevista publicada no GetRichSlowly.org, Baumeister disse que, para aumentar a força de vontade e o autocontrole, é importante trabalhar sobre os hábitos, e começar pelos mais fáceis.

Tahira Hira completa: “Devemos conhecer a nós mesmos, nossas forças, nossas fraquezas e, principalmente, como elas interferem em nossas finanças. A partir daí, devemos tomar medidas específicas para combater as fraquezas e complementar as forças”, ensina.

Nessa mesma linha, Vera Rita de Mello Ferreira e Dan Ariely dão algumas dicas:

  • Deixe cartões e talões de cheque em casa – “Na hora que apenas o lado emocional estiver dominando, não terá o que fazer, porque não terá dinheiro para comprar”, diz Vera Rita.
  • Coloque um recado na carteira com o seu objetivo – Lembre da viagem para a Europa no final do ano, da reforma da casa, do carro novo etc. “Você se cutuca para ver se foca no longo prazo e deixa de lado os desejos de curto prazo”, afirma a psicanalista.
  • Compartilhe planos e objetivos – “Quando alguém de fora está de olho, fica mais fácil atingir determinados objetivos”, provoca.
  • Conte até cem ou saia da loja e dê uma volta antes de comprar - “O adiamento tira o quente da jogada e dá uma chance de pensar de novo”, aconselha Vera Rita.
  • Torne o planejamento prazeroso – “Poupe para gastar e não para fazer o dinheiro crescer”, ensina Ariely. “Aprendendo a gastar e se permitindo isso, fica mais fácil pensar no futuro”, completa.

“A ideia aqui é primeiro criar uma estrutura para controlar o comportamento. Depois de um tempo, ficará mais fácil se comportar de forma responsável”, conclui Tahira.

Fonte.: https://www.infomoney.com.br/minhas-financas/noticia/2574387/Irracionalidade-financeira-por-que-fazemos-que-sabemos-que-errado